Cristãos, a unidade sem egoísmos


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Olio su tela cm 82x65,5, Pinacoteca Pro Civitate Christiana Assisi
FRANCO GENTILINI, Catedral de Assis, 1965

La Stampa, 17 Março 2011
de ENZO BIANCHI
Festejar a unidade de Itália significa reconhecer o que, de facto, liga os habitantes da terra, afirmar a solidariedade e a convergência por uma polis marcada pela justiça e pela paz

Nestas semanas e durante os próximos meses, em vários momentos e sob diversas formas, celebram-se os 150 anos da Unidade da Itália, apesar das contestações e da ausência anunciada de alguns. Também a Igreja Católica, presente em Itália, quis - da forma que lhe é própria, isto é, através de uma celebração litúrgica - tomar parte na memória deste evento. O Papa, como Bispo de Roma (não nos esqueçamos que é nesta condição que preside à Igreja Universal) e Primaz da Itália, quis endereçar uma mensagem não apenas aos católicos mas a todos os Italianos.

 Mas, porque esta Unidade da Itália foi construída com esforço, também contra a vontade do Papa - então defensor não apenas da honra de Deus mas também de "César", do poder político que ele assumia no Estado Pontifício -, porque há ainda quem queira que a Itália volte a uma federação de estados, porque novas ideologias contrastam com a realidade de uma Itália unida, é importante interrogarmo-nos sobre o significado desta Unidade.   

E eu quero interrogar-me, como cristão e como cidadão italiano, duas identidades que não se contradizem nem competem mas que, para serem vividas sem esquizofrenia, necessitam de lealdade, de reconhecimento da história e de exercício da memória; de uma visão de solidariedade capaz de convergência pela Polis. Como cristãos, temos uma palavra a dizer sobre esta comemoração e sobre o seu significado? A resposta é certamente positiva: em Itália os cristãos habitam tranquilamente, são membros da Polis e como tal participam responsavelmente na história deste país, sem evasões e sem isenções. Mas devemos colocar, também, uma outra questão: nós cristãos temos uma palavra "cristã" a dizer sobre a Itália Unida? E aqui a resposta é mais complexa e exige clareza. A Itália não é nem um artigo de fé, nem um princípio estruturante da Igreja que é católica e universal. Mas é verdade que esta terra "Itália" é a terra que os cristãos habitam na consciência de que "cada Pátria é para eles estrangeira e de que cada terra estrangeira é para eles uma Pátria" (Carta a Diogneto, revista Jesus). O que significam estas palavras, formuladas no séc. II d.C. e ainda hoje aplicáveis? Não indicam evasão ou um sentimento estranho dos cristãos em relação à Terra e ao Estado, mas que os cristãos sabem amar a terra que lhes calhou em sorte; que esta terra é também para eles uma "Pátria" enquanto terra dos seus pais; que os cristãos rezam por esta terra e pelos seus governantes, sejam eles cristãos ou não, assim como rezavam pelo Imperador Romano que era pagão (e, não raro, aquele que os perseguia!); que os cristãos participam em tudo, como cidadãos, na construção da sociedade italiana e trabalham por uma convivência marcada pela liberdade, pela justiça, pela igualdade, pela solidariedade e pela paz.       

Mas esta pertença à Itália nao deve, naturalmente, suscitar nos cristãos uma ideologia nacionalista, que se manifeste numa hegemonia em relação aos outros, na construção de um povo "sem os outros" e até "contra os outros". A contribuição específica dos cristãos para a construção de um estado unitário deveria caracterizar-se por superar uma pretensa superioridade cultural e por negar um centralismo, prenúncio de ideologias que, em vez de serem esteio de paz, alimentam intolerâncias e recusam a alteridade cultural, ética e religiosa...  

Por outro lado, os cristãos deviam estar atentos para que não se afirmem interesses locais que acabam sempre por gerar comportamentos racistas e xonófobos, não apenas para com as culturas distantes que estão presentes através dos imigrantes, mas também para com os da própria terra, da região vizinha. É verdade que a Itália é marcada, historicamente, mais do que outros países, por regiões que têm uma cultura específica, mas a língua é apenas uma, assim como a cultura que deu o melhor do humanismo e realizou um caminho para a unidade e convergência de hoje.   

Uma Unidade de Itália que alimentasse uma identidade italiana marcada pela vitória do "mesmo" e de um retrocesso artístico, histórico-social devido à exclusão do outro, sobretudo dos muitos pobres que nos chegam da outra margem do mare nostrum, contradiria gravemente a inspiração cristã e católica.

Quando penso na minha vida, não posso esquecer que desde pequeno cresci com pessoas provenientes de outras regiões, que falavam outros dialectos e tinham hábitos diferentes dos meus: na escola elementar, numa pequena aldeia de Monferrato (Piemonte), tive colegas de carteira dos aluviões de Polesine (delta do rio Pó/ Veneto), no Liceu, numa cidade de província, tive companheiros da Calábria e da Sardenha, na Universidade, em Turim, encontrei estudantes de todas as regiões de Itália. Não posso negar esta "italienidade", este sentimento de que há uma Itália na minha história pessoal e que não deve ser negada, nem ferida por falta de solidariedade. A minha geração aprendeu, desde a escola elementar que o nosso horizonte não podia ser o de bairro, mas sim o de uma Europa unida, em nome de uma afirmação dos valores de liberdade, de democracia, de justiça, pelos quais tanto se tinha combatido na Europa nos tempos modernos.  

Festejar a Unidade da Itália, significa pois, reconhecer o que liga os habitantes desta terra, afirmar a solidariedade e a convergência por uma Polis marcada pela justiça e pela paz, sem bairrismos, sem egoísmos territoriais, sem exasperações das próprias culturas locais. Para esta Unidade de Itália muitos dos que acreditaram em nós, perderam a vida e sacrificaram-se porque o seu objectivo era uma "communitas italiana". Para nós, hoje, tudo isso serviu de exemplo, é uma herança que implica responsabilidade, sobretudo diante de ressurgimentos ideológicos, proclamações e programas que pretendiam não apenas dividir os Italianos, mas construir uma "torre de Babel" local em que afirmava a barbarie. Sim, como cristão, distante de nacionalismos, creio que amo esta terra italiana, que quero que nela cresça a unidade entre as populações, diversas, mas capazes de serem solidárias, dispostas - espero, apesar de tudo - a uma convergência para uma Polis mais humanizada, unida por uma cidadania comum cada vez mais de terra e menos de sangue. Celebrar a unidade da nação italiana, no horizonte da unidade do continente Europeu e na vontade de afirmar sempre a dignidade e a unidade de todos e o respeito por todas as culturas e nações é um dever que nasce da consciência de sermos cidadãos que devem esperar juntos e sentir esta terra como pertencente a todos.      

 ENZO BIANCHI