Natal do Senhor - 2011


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1960, Olio a spatola su masonite
WILLIAM CONGDON, Natividade de Jesus

Bose, 25 Dezembro 2011
Homilia de ENZO BIANCHI
Há uma frase de Jesus que, ainda que não tenha entrado nas Escrituras canônicas, exprime bem o que ensinou: «Olhaste um homem nos olhos? Então viste Deus." O Natal recorda-nos este mistério.

Bose, 25 dezembro 2011
Homilia de ENZO BIANCHI

Luca 2,1-14    

escuta:

 

  Caros amigos,
Vós estais naturalmente conscientes de que os grandes mistérios da nossa fé - antes de mais a ressurreição de Jesus, o seu nascimento e a sua transfiguração gloriosa - são celebrados por nós cristãos à noite: a vigília pascal, a santa noite de natal e a gloriosa noite da transfiguração.

Porque é que a esta hora em que normalmente os homens repousam e até dormem, nós, ao contrário, celebramos os nossos santos mistérios? Porque é que nós cristãos gostamos tanto da noite para celebrar a nossa comunhão com o Senhor? Certamente porque durante a noite temos uma maior capacidade de concentração, estamos menos distraídos. Mas eu creio que, nós cristãos, durante noite aprendemos a esperar - a esperar a salvação, a esperar quem amamos –, e por isso vigiamos durante a noite, para estar de sobreaviso, para estarmos prontos a acolher Aquele que vem. Significativamente a Igreja pediu sempre que os cristãos precedessem a aurora; que os monges, em particular, durante a noite fossem capazes de interromper o sono para rezar, para se colocarem diante do Senhor na gratuidade de um gesto que não só não é pedido como pode ainda ser cansativo.

Mas existe uma outra razão para a nossa vigília noturna: durante a noite nós cantamos o nosso desejo de luz.  Viver a liturgia durante a noite é como que iniciar uma batalha contra as trevas. Nós afirmamos que acreditamos no dia, no sol que despont noa alto, na luz radiosa que não tem ocaso, na estrela da manhã. Não é por acaso que todos os nomes que foram dados a Cristo pelos profetas e pela Igreja nascente evocam a luz. Nós homens, somos, na realidade, criaturas envolvidas pelas trevas. Mais, quanto mais caminhamos para a luz, mais nos damos conta das trevas que nos rodeiam.

É significativo que nestes dias, em que as noites são as mais longas do ano, na nossa cultura, que é uma cultura inspirada pelo cristianismo e pelos seus mistérios, nós acendamos tantas luzes, muitas estrelas luminosas, queremos mesmo que as plantas sejam luminosas, que as nossas cidades sejam ornamentadas com luzes. E isto é muito bonito. Não pudemos negá-lo como se fosse qualquer coisa que diga apenas respeito à moda e ao consumo. Porque isto diz muito da nossa necessidade de luz, que a luz é para nós vida, que a luz é-nos necessária para caminharmos numa direcção. Mas, o que é a luz senão aquilo que nos pode tirar da nossa desorientação? Porque a luz é sempre oriente, é sempre «Oriens ex alto» (Lc 1,78) que nos precede: a luz que cantamos todos as manhãs no Benedictus, a luz que cantamos neste tempo de Natal, mas sobretudo nesta noite.

Por isso as Escrituras falam de uma grande luz que saiu das regiões afectadas pela jugo da Babilónia: é às terras de Zabulão e Neftali que o Senhor promete uma grande luz (cf. Is 8,23-9,1). Por isso o Evangelho nos fala de uma luz sobre a gruta de Belém, aquela luz que envolveu os pastores - diz-nos Lucas - no preciso momento em que acolhiam o anúncio do Anjo (cf. Lc 2,9). houve uma grande luz sobre aquela gruta quando os magos chegaram de terras distantes (cf. Mt 2,2.9-10). Mas aquela luz que os pastores viram, aquela luz que os Magos viram, para o que servia, de que era sinal? na verdade levava os pastores e os Magos a contemplar um acontecimento humano: uma mulher que dava à luz um filho, uma mulher anónima, que ninguém conhecia, recém chegada, por acaso, a Belém, de tal forma desconhecida que nem sequer tinha conseguido lugar numa hospedaria para o trabalho de parto; uma criança que dvia ainda receber um nome, um infante. Tanta luz para ver um menino recém nascido, para contemplar uma coisa que acontecia desde há séculos e que acontecerá até que haja humanidade: uma mãe que gera um filho. Isto é o que viram os pastores, o que viram os Magos e é o que também nós podemos ver se formos á gruta de Belém.

É verdade, há também a revelação dos anjos que indica que aquele menino é filho de Deus, o Salvador, o Messias, o Senhor (cf. Lc 2,10). Certamente os anjos revelaram a identidade profunda daquele menino, mas vendo-O não há nada de extraordinário, nada que o testemunhe, nada que diga da qualidade d'Aquele menino. A qualidade de filho de Deus é contemplada num homem simples sem glória e sem esplendor, numa criança envolta em panos numa manjedoura. O anjo disse-lhes para irem ver: não viram nada de extraordinário e sobretudo não viram nada de religioso. o que há de mais humano que uma criança? Fomo-lo todos nós e de alguma forma sabemos que com a idade voltaremos a ser um pouco crianças: por impotência, pela fragilidade teremos necessidade que outros nos acudam como quando nascemos. É assim o homem, é assim cada um de nós.

aquele menino não podia falar, não podia impor nada, não se podia impor. Este é o verdadeiro mistério do Natal que está diante de nós. O Cristianismo é a religião que, ao contário de todas as outras, nos diz que um homem, nada menos que um homem, deve ser por nós acolhido como filho de Deus, como uma palavra de Deus feita carne (cf. Jo 1,14). E um homem é sempre alguém que espera a nossa presença, o nosso olhar como dom. Nós, esta noite, devemos sentir aquela voz que nos acompanhou ao longo do Advento e que nos acompanhará também ao longo do Natal: «Eu estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta Eu estarei com ele e ele comigo» (cf. Ap 3,20). Quem o diz? Quem é aquele que diz estar à porta? É o menino de Belém? É Jesus que passava na estrada da Galileia? É o Senhor que vem na glória? Sim, mas para que reconheçamos o menino de Belém, o Jesus que passa na estrada da Galileia, o Senhor na sua glória enquanto vivo e ressuscitado, devemos ainda e sempre olhar um rosto, um homem que está diante de nós. O Natal pede-nos isso.

Há uma frase de Jesus que, ainda que não tenha entrado nas Escrituras canônicas, exprime bem o que ensinou: «Olhaste um homem nos olhos? Então viste Deus." O Natal recorda-nos este mistério.

ENZO BIANCHI

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