Mulheres, exaltadas mas marginalizadas

DM, 26 de Março de 2015
DM, 26 de Março de 2015

Diário do Minho
26 de Março de 2015

ENZO BIANCHI
O Natal pode interpelar-nos e ajudar-nos a concretizar passos para uma melhor convivência, para começar a confiar, a esperar juntos

Diário do Minho, 26 de Março de 2015
por ENZO BIANCHI

Há realidades que estão na bolsa do mendicante, mas ele não pode abandoná-las em qualquer lugar: são os sofrimentos que habitam o seu coração. Uma delas, sempre viva e nunca adormecida, diz respeito ao meu quotidiano: eu vivo como monge, com irmãos e irmãs, homens e mulheres na mesma comunidade.

Ora, justamente as mulheres conhecem na Igreja uma condição paradoxal. Presentes em todas as partes, ao lado dos homens em todas as formas da vida cristã, tão comprometidas na transmissão do Evangelho e testemunhas de Cristo quanto os homens, na realidade, elas encontram-se excluídas dos âmbitos decisionais e podem ser apenas simples fiéis, christifideles, pertencentes ao laicado ou à vida religiosa, embora sem autoridade deliberativa por serem mulheres.

Há décadas que a Igreja Católica se interroga sobre o papel das mulheres na Igreja, mas sem que nasçam respostas adequadas e convincentes. Exalta-se a feminilidade com expressões curiosas (“o génio feminino”…), destaca-se a sua eminente dignidade de esposas, mães e irmãs, mas, depois, não lhes é reconhecida qualquer possibilidade de exercer responsabilidades e funções directivas na Igreja. Assim, todo o corpo eclesial fica deficitário: um corpo em que a metade dos membros deve ouvir apenas os homens intervirem na liturgia, em que as decisões que dizem respeito a todos são tomadas apenas pelos homens, em que o que as mulheres são e devem ser é estabelecido por homens, sem nem mesmo ouvi-las… Lendo os Evangelhos e o Novo Testamento, encontramos as mulheres presentes tanto quanto os homens, e Jesus inclui-as no seu grupo de seguidores junto com os homens numa comunidade itinerante; Maria de Magdala é destinatária, juntamente com outras mulheres, do primeiro anúncio pascal por parte de Cristo ressuscitado; na fundação das primeiras comunidades cristãs, as mulheres desempenham tarefas apostólicas.

Não por acaso, São Paulo ousa proclamar que na comunidade cristã já não existem mais pertenças discriminadas, “não há mais judeu nem grego, nem homem nem mulher”, embora, depois, paradoxalmente, ele seja incapaz de tirar todas as consequências disso na vida da comunidade cristã.

Inicialmente, de facto, ele autoriza as mulheres a tomar a palavra na Igreja de Corinto (1 Cor 11, 5), pensa e prega que os dons do Espírito Santo são dados a todos os baptizados, sem preferência entre homens e mulheres. E não nos esqueçamos de que, na sociedade da época, a mulher era privada do direito de tomar a palavra na ágora.

Em seguida, porém, perto do fim da era apostólica, quando se imporia o bispo presbítero como sucessor dos apóstolos, será retirado das mulheres o direito de falar na assembleia cristã (1 Cor 14, 34). Assim, uma práxis patriarcal irá prevalecer novamente na Igreja, e aquele sopro de liberdade trazido pelo Evangelho será institucionalmente contradito até hoje. Desde então, à mulher é confiada à diaconia, o serviço à Igreja, enquanto aos homens é reservada a autoridade e, consequentemente, o poder. Só no monarquismo, fenómeno originalmente não clerical, a mulher tem os mesmos direitos e deveres do homem: pode tornar-se abadessa, guia espiritual e autoridade para uma comunidade, com o poder de ensinar, de tomar a palavra na assembleia, de deliberar sobre a vida da comunidade. Nisso, o monarquismo tem um autêntico valor profético, embora geralmente não seja consciente disso e não saiba viver todas as potencialidades dessa forma de seguimento cristão. Eis, então, as perguntas que atormentam o mendicante, sem que, na sua bolsa, haja respostas: o que significa repetir fórmulas vazias como “Maria é mais importante do que Pedro”, sem acompanhá-las com um compromisso adequado com uma pesquisa bíblica e teológica sobre a presença das mulheres na Igreja? Por que não se ouvem mulheres que elaboram teologia ou são comprometidas na vida pastoral, na missão, na evangelização, na catequese?

Encontrar respostas significa abrir novos caminhos para a corrida do Evangelho.